sábado, 26 de março de 2011

Monitorização intra-operatória de nervos em cirurgia da Tireóide

Uma pergunta pelo Twitter @higinosteck me estimulou a postar esse
artigo para esclarecimentos sobre essa técnica que pode ser usada em cirurgia da tireóide.
Um dos riscos mais temidos em cirurgias da tireoide é a possibilidade de rouquidão ou alteraçōes da voz após a cirurgia. Esse risco é especialmente importante em profissionais da voz, que precisam da sua voz para trabalhar, como cantores, radialistas, professores, etc, porque a rouquidão, geralmente temporária, pode se extender por 2 meses ou mais. A rouquidão definitiva é mais rara e, na mão de cirurgiões experientes, ocorre em menos de 1% das cirurgias.
Esse risco se dá pela proximidade de 2 nervos que se localizam entre a tireoide e a traquéia: o nervo laringeo recorrente e o laringeo superior.
O padrão ouro para evitar a lesão do laringeo recorrente em tireoidectomias, que causaria paralisia das cordas vocais e consequente rouquidão, é a identificação dos nervos durante a cirurgia. E isso leva a um índice baixo de lesões para cirurgiões experientes.
Ja comentei nesse blog as vantagens de se usar algum tipo de magnificação na cirurgia para ajudar na identificação de estruturas tão delicadas, como o uso de lupas (que eu uso de rotina) que aumentam de 2 a 4 vezes o tamanho, ou uso de óptica e video de alta resolução (que uso nas cirurgias videoassistidas da tireoide), que aumentam em até 40 vezes o tamanho das estruturas. Essa magnificação ajuda muito a identificação dos nervos.
A dificuldade porém pode existir em casos em que seja dificil a identificação do nervo pelo cirurgião, como reoperações da tireoide, onde a fibrose da cirurgia anterior pode complicar a visualização de estruturas, e também casos de bócios muito grandes, tireoidite ou casos com variação da anatomia do nervo.
Por isso foi desenvolvido uma técnica que possibilita a monitorização dos nervos laringeos durante a cirurgia, e que antecipa o local onde ele esta em alguns casos onde a visualização é dificil.
A técnica é similar a um exame de eletroneuromiografia, muito usado pelos neurologistas. Consiste em colocar receptores no tubo intratraqueal da anestesia (geral) e estimular o local da cirurgia. Quando próximo ao nervo o monitor de eletroneuromiografia vai acusar a atividade do nervo, o que alerta o cirurgião da sua proximidade. Ajuda também quando há duvida se uma estrutura muito fina é nervo ou vaso sanguíneo.
Existe um debate na literatutra científica se o monitoramento deve ser usado em todas as tireoidectomias, como advogam alguns especialistas de Harvard e da Alemanha, ou se apenas em casos de risco maior, como as reoperações de tireoide, bócios grandes, e profissionais a voz. O seu uso em reoperações da tireoide é um consenso entre especialistas.
Nos Estados Unidos o uso de Monitoramento de nervos intraoperatório é cada vez mais indicado pelos cirurgiões de tireoide. Era usado em cerca de 7% das tireoidectomias em 2001, em 2007 em 36%, e continua aumentando. O perfil de uso dos estudos indica que é mais usado por cirurgiões mais jovens e afeitos a novas tecnologias, e por cirurgiões com maior volume anual de tireoidectomias (justamente os com maior experiencia).
Varios estudos tentaram demonstrar estatiticamente se o uso do monitor de nervos diminui a incidencia de paralisia das cordas vocais. Alguns mostraram vantagens no seu uso, outros não. Nenhum mostrou desvantagem.
Num estudo com mais de 16000 pacientes, Dralle publicou que , para cirurgiões que fazem menos de 45 tireoidectomias por ano, o uso do monitor reduz o risco de lesão dos nervos em tireoidectomias. Chan, estudando 1000 nervos em risco na cirurgia, publicou que o risco de paralisia do nervo laringeo recorrente em reoperações da tireoide aumenta para 19% nos casos não monitorizados e é apenas cerca de 7% no grupo monitorizado.
O único estudo prospectivo randomizado, que é considerado um estudo com maior evidência científica e, portanto, de maior valor, foi realizado por Barczynski, que estudou 2000 nervos em risco e concluiu que o indice de lesōes transitorias do nervo diminuiu de 2,9% para 0,9% com uso do monitor (estatisticamente significativo) e lesões permanentes de 1,2% para 0,8% (nao estatisticamente significativo, mas com tendencia a melhor resultado que poderia ser comprovado em numero maior de pacientes).
Podemos concluir por essas estatisticas que 1 a 2 pacientes em cada 100 se beneficiariam do uso dessa tecnologia.
Embora os planos de saúde possam se recusar a pagar o monitoramento por alegar que o beneficio é pequeno, para alguns pacientes o benefício é enorme.
É claro que uma nova tecnologia como essa não substitui a experiência e habilidade do cirurgião. Pelo contrario, essa tecnologia "precisa" de um cirurgião que tenha experiencia com ela pra saber como usa-la, e que seja afeito a novas tecnologias. Por isso muitas vezes existe resistencia de cirurgiões mais antigos a usá-la.
Na minha opinião estamos no século XXI, na era da informatica, computadores, pós PC devices (iPad), carros com GPS, computador de bordo, etc. A tecnologia esta ai para ajudar os pacientes e cirurgias de tireoide não precisam ser realizadas como a 100 anos atrás.



- essa foto foi tirada no Curso de Cirurgia de Tireoide, no Ether Dome (local da primeira anestesia da história) em Harvard com um dos maiores especialistas em monitoramento de nervos, Dr Randolph (2o da direita pra esquerda).

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9 comentários:

  1. Dr Higino, está fazendo 8 dias que me submeti a uma tireoidectomia total e estou grávida de 12 semanas. Tenho muitas dúvidas sobre os riscos que posso correr nesta fase de adaptação aos hormonios e a vida sem a tireoide daqui pra frente. Gostaria gentilmente que me falasse algo neste sentido. Obrigada desde ja.

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  2. Ola Andrea. Obrigado por sua pergunta. O hormonio da tireoide é essencial no início da gravidez para a formação do feto. Por isso vc tem que fazer reposição e ter um acompanhamento frequente e rigoroso disso com seu médico(a). Com a reposição adequada os riscos para vc e o feto são muito baixos. A vida sem tireoide é normal com a reposição adequada.

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  3. Muito obrigada pela sua gentil e pontual resposta. Eu esperei a cirurgia justamente porque queria esperar os tres primeiros meses que consiste na formação do feto. No momento estou tomando 100mg de Euthyrox, como so tenho 8 dias de operada, ainda irei fazer exames para saber as taxas. O meu caso foi ca papilífero. Estou muito angustiada. Vivo pensando nesta questao de sobrevida, uma pessoa que teve ca papilifero tem sobrevida normal?

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  4. A sobrevida do Carcinoma papilífero da tireoide depende de varios fatores, como idade, tamanho do tumor, presença ou não de metástases. Tenho certeza que seu médico pode te explicar o seu caso em particular. A boa notícia é que a maioria dos pacientes, principalmente os jovens, tem sobrevida longa quando tratadas adequadamente.

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  5. Eu andei pesquisando sobre este termo "sobrevida", mas não consigo entender se trata-se apenas de um termo técnico médico. Também achei que se o ca papilífero tem cura, então o paciente, uma vez curado, teria sobrevida normal. Bom, o mais importante de tudo isso é que nunca ouvi falar de alguem morrer de cancer de tireoide, a não ser quando são vítimas dos carcinomas mais graves. De toda forma agradeço a sua atenção. Vou sim conversar com o meu médico sobre isso esta semana.

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    1. Eu fiz a cirurgia tem 6 meses fiz em outubro do ano de 2013 agora voltaram os nodulos com metastase do carconoma anterial papilifero,como tava muito espalhado na tireoide ainda restou celulas que evoluiram .Mas agora vou fazer novamente a cirurgia.A dra não achou normal voltar assim tão rapido,tenho medo de não sarar pois ate tomei o iodo mas não matou ai voltou.Doutor voltar assim e normal ou e so em caso mais grave,o meu caro e grave ou e normal voltar assim.

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    2. Cara Patricia, o Carcinoma papilífero de tireoide pode recidivar (voltar) em alguns casos mesmo após cirurgia e radioiodoterapia. As vezes eles voltam nos linfonodos do pescoço (metástases linfáticas). A chance de cura em cirurgias para recidivas são muito boas. Como comentado no post, dependendo do local da nova cirurgia, deve se considerar que o risco de rouquidão ou alteração da voz por lesão dos nervos laringeos aumenta nessas reoperações. Por isso deve se considerar o uso de Monitorização Neurofisilógica dos nervos laringeos para casos como esse.

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    3. Bom dia dr...vai ser usado sim um monitorador porque os nodulos estão bem em cima dos nervos...mas Deus e grande e acredito que vai dar tudo certo...

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